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A apanha do estrume

Uma estória do Ângelo Ribau 



O tempo estava na verdade melhor no dia seguinte, e, manhã cedo, lá fomos nós, o pai de gadanha e engaço ao ombro e o Toino com as duas varas, em direcção à bateira. 
O dia não era de chuva, mas a manhã estava fria. Notou-se logo ao meter os pés na lama para alcançar a bateira. Soltada esta do moirão aí vamos nós para o Esteiro do Oudinot. Salto para a margem com a cirga na mão, estico-a, ponho-a ao ombro, e vá de puxar a bateira. São dois quilómetros de extensão, contra a maré. Chegado ao fim é recolhida a cirga, entro para a bateira, pegamos nas varas e vá de atravessar a cale, sempre com muita atenção, não vá aparecer algum navio, que nos atrapalhe a manobra. Chegados ao fundão, vá de “paijar” com as varas como se fossem remos, dado que a cale era muito funda e as varas não atingiam o fundo. 
Passámos sem problemas e da outra banda voltámos a empurrar a bateira com as varas, até que chegámos à marinha; amarrámos a bateira e toca de começar a trabalhar. O pai do Toino a gadanhar o estrume e o Toino, sempre com o olho à viva (não fosse aparecer outra cobra), ia-o juntando e enfeixando na corda. Quando o molho estava com a quantidade suficiente era amarrado. O Pai puxava a corda de um lado e o Toino do outro, apertavam-no, davam um nó, o pai ajudava a pô-lo na cabeça do Toino, e aí vai ele correndo com o molho de estrume à cabeça, sempre a pensar nalguma cobra… 
Este serviço repetia-se vezes sem conta, até que a bateira estivesse carregada. 
Depois era o regresso pelo Esteiro do Oudinot, o carro dos bois à espera, o descarregar da bateira… 
Este serviço era executado dias sem conta, sempre que o tempo o permitisse, até que houvesse estrume suficiente, para as camas do gado durante o inverno, que aí vinha. 
O tempo ia piorando. O vento e as chuvas anunciavam o tempo que aí vinha, a chegada do inverno. Já havia dias de chuva, que permitiam ao Toino ler uns bons pedaços do livro que andava a ler, até ser “acordado” do sonho que a leitura lhe provocava, por ordens do pai que, dada a ordem, continuava na sua leitura: 
- Oh Toino, vai dar uma gabela de palha aos bois. 
Ou… 
- Dá uma gabela de erva à vaca. 

O Toino deixava a leitura e ia confirmar a ordem junto do pai, não que não tivesse ouvido bem, mas para confirmar qual o livro que o pai estava a ler. Punha o olho de lado, e lá ia cumprir a ordem. 
De regresso, ainda se atreveu: 
- Olha lá, oh pai, quantas vezes já leste esse livro? (era o Mártir do Gólgota) … 
- Não sei, mas gosto muito dele. Tem aqui uma personagem que me faz pensar: e continuou: era o cantor da Galileia, e ia fazer serenatas a Madalena, a pecadora. Chamava-se Boanerges. Se um dia tiver um neto gostava que lhe dessem esse nome… 
E lá continuavam, cada um com a sua leitura, até que da casa do forno se ouviu a vós da mãe: 
- Eh pessoal. Vamos à janta que o comer está na mesa… 



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