domingo, 4 de novembro de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 315

PITADAS DE SAL – 45 



EMBARCAÇÕES 

Caríssima/o: 

Curiosamente o sal tem andado por aí e foi-nos ocupando uns largos meses; podemos dizer: safra comprida. Apetece uma pausa… E nada melhor que um passeio pelos canais da nossa Ria. Quem já um dia sentiu a aragem cortante nas orelhas ou a frescura da água rasgada pelo pé deslizante fora de borda não deseja outro «comprimido» para combater a fadiga e o cansaço. 
Felizes éramos nós que podíamos dispor de duas embarcações que o Tio António confiara à guarda do nosso Pai: não havia que enganar, perdidos e achados, “navegávamos” governados pela estrela da ilusão. E lá íamos! Quando fiz o exame da quarta classe [!], meu irmão (5 anos mais velho do que eu, já um rapaz espigadote…), quis oferecer-me algo de especial que nem eu, nessa ocasião, nem os meus amigos hoje podemos imaginar. «Vens comigo… e logo se vê!» E vi: o bote estava preparado… 
O melhor é dar a palavra ao Artur. Diz ele:



«Como queria dar um passeio com o meu irmão, expliquei-lhe como devia fazer: pôr o remo do lado de fora do bote para servir de leme. Quanto a mim, saí do bote e comecei a puxar a corda da sirga. 
Tudo corria bem e íamos conversando enquanto eu puxava o barco em terra e ele o guiava com o remo. 
A maré descia e era por isso que eu puxava a corda. 
A certa altura ouvi um grito; parei e vi que tinha deixado cair o remo e a mão com sangue. Saltei para o bote e vi que tinha arrancado uma unha de um dedo da mão direita. Ao ver isto fiquei desmoralizado que as culpas eram todas minhas. 
Os meus pais não estavam em casa. 
A nossa tia Aurora morava perto da nossa casa. Lá fomos e, depois de lhe explicar o que tinha acontecido, ela fez um pouco de enfermeira como sabia e pôde… foi esta mesma tia que me fez o curativo quando me deram com a saca com as três moedas de 2$50 na cabeça no tempo da guerra. 
Lembro-me que lhe pôs álcool para desinfectar o dedo e depois mercúrio; por cima do dedo pôs-lhe cinza, amarrou o dedo com um pano para livrar a ferida das areias. 
O rapaz chorava com dores mas eu não lhe podia fazer nada e, naquela época, não havia médicos. 
Só estava à espera de os meus pais me darem um enxerto de pancadaria, mas tive sorte. 
Mas graças a Deus tudo correu bem. 
Todos os dias ia com ele fazer o curativo à minha tia até a unha nascer. 
O passeio que era feito para dar alegria, saiu com sangue e tristeza.» 

Quando comecei a rabiscar não era isto que tinha na ideia mas antes falar um pouco das embarcações que eram usadas nos trabalhos das marinhas. Creio, porém, que seria repetitivo embora para muitos se perdesse uma bela ocasião para deixarem correr a imaginação na esteira da bateira, na vela do moliceiro ou na brancura da carga do saleiro. 

Boa viagem! 

Manuel 

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