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TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 320


PITADAS DE SAL – 50 




AS MULHERES E O SAL…

Caríssima/o:

Reservei esta pitada, por estarmos a viver a festa da Imaculada Conceição, para conversarmos sobre a relação das Mulheres da Gafanha com o sal. Talvez ainda se lembrem que era nesta data que se celebrava o Dia da Mãe. Por tudo isto, andava às voltas com as palavras para ver o melhor alinhamento, quando nos entrou pela porta a senhora Amélia a gritar:
- Nossa Senhora me valha, mas não tanto!
E foi-nos contando o valente trambolhão que acabara de sofrer…
Quase me atrevo a dizer que esta súplica irrompeu de muitas bocas de mulheres que correndo pelas pranchas dificilmente se equilibravam com a canastra de sal à cabeça! Isso no-lo atestam as imagens e os livros:

«Como o testemunha esta já antiga fotografia, tempos houve em que os marnoteiros da ria de Aveiro (e não só desse espaço lagunar) utilizavam, essencialmente, mão-de-obra feminina no transporte do sal, das zonas de produção para os lugares de armazenamento. Esse trabalho rude era feito com o auxílio de canastras, que as corajosas mulheres da Aveiro e de outras localidades vizinhas levavam à cabeça...» 

 
Podíamos continuar por aí mas, desculpem, as nossas Mulheres das Gafanhas não eram muito vistas nestas tarefas. Muitas levantavam-se cedo para preparar a comida que o seu homem (marnoto ou moço) levava para as suas refeições. Também não moirejavam a tirar o sal para a eira… [Claro que as exceções confirmam a regra. Escreve João Pereira de Lemos, em A ria de Aveiro – um olhar resvés, p. 55: «Esta marinha (a Palheiros) era amanhada pelo ti Merendeiro, que utilizava como moços as próprias filhas. Isto era uma “ofensa” para os moços, pois as mulheres só serviam para descarregar o sal dos barcos mercantéis para os palheiros dos armazenistas ou para os vagões da C. P. quando esta utilizava o ramal de S. Roque.»]

Mas isto não quer dizer que a relação entre as nossas Mulheres e o sal fosse de muita amizade ou de dar nas vistas. Antes pelo contrário: ponhamos os olhos na árdua labuta de descarregar os bacalhoeiros acabados de acostar. A chegada dos navios era sinal de trabalho e de fartura; porém a descarga era um complexo rosário de amarguras e elas que no-lo desfiem, mostrando as mãos e os pés feridos pelo sal do porão e recordando o trajecto pela prancha do barco para o cais, pagando muitas vezes o desequilíbrio com mergulhos inopinados nas águas geladas.

Fica aqui a minha homenagem às Mulheres da nossa Gafanha, sem adjetivos nem interjeições. Trabalhavam o sal, roubando-lhe o bacalhau que lavavam e esmeravam; sujo e ensanguentado o lançavam nas águas da Ria que o devolvia puro e a faiscar aos raios do sol!

Manuel







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