sábado, 27 de fevereiro de 2016

Gafanha da Nazaré — Primeira Década

1910-1919

Igreja inaugurada em 14 de janeiro de 1912

A freguesia da Gafanha da Nazaré é criada numa época marcada por algumas transformações importantes, tanto para o País como para a Igreja Católica. Os moradores, povo crente, sabem escudar-se na Igreja e nas suas organizações para cimentar novas raízes neste espaço de areias soltas e movediças, onde levantam modestas habitações.
Como desde os primeiros tempos da sua fixação, nesta zona de ria e mar, a construção das habitações convoca a troca de saberes e a ajuda mútua. Desde o fabrico dos adobes, nas dunas, terra de ninguém e de um ou outro proprietário, junto à actual Mata da Gafanha, até ao levantar da casa em terreno oferecido pelos pais dos nubentes. 
Erguidas as paredes, apenas deixam mais ou menos concluídos a cozinha e um quarto. Tudo o mais fica para mais tarde, quando houver poupanças ou heranças. Quarto de banho não existe, mas não faltam os currais para o gado e para a criação. 
A agricultura em terrenos dos pais ou arrendados é a base da subsistência. Outros “andam de fora” como jornaleiros e seareiros, expressão usada nos registos de casamento, baptizado ou óbito.
Depois a pesca, as obras da barra, estaleiros, as secas e demais empresas ligadas às indústrias e comércio. Há conhecimento de que gafanhões emigram para os Estados Unidos e para o Brasil.
Em 5 de Outubro de 1910 é implantada a República em Portugal, gerando um ambiente de crispação entre os defensores do antigo regime e do novo, como é natural. Imbuída do espírito anticlerical, até parece que a Igreja Católica e os seus seguidores são inimigos a abater, acusados de serem a razão do atraso em que vivíamos. Aliás. Antero do Quental, numa “Conferência do Casino”, em 27 de Maio de 1871, atribui ao catolicismo «as causas da decadência dos povos peninsulares».
Com a lei da separação de 20 de Abril de 1011, há a nacionalização dos bens da Igreja, a abolição do ensino religioso nas escolas e a perseguição ao clero, em especial aos jesuítas e a quantos se mostrem discordantes das ideias republicanas no poder. De positivo, salientamos a separação da Igreja e do Estado, pondo fim a séculos de convivência, nem sempre pacífica.
Decreta-se a lei do divórcio e tratamento igual para todas as religiões, terminando a ligação umbilical entre o Estado e a Igreja Católica.
Nas capitais de Distrito e nos grandes centros não faltam, todavia, manifestações de regozijo pela mudança do regime em 5 de Outubro. Os jornais dão conta desses movimentos, apesar de alguma indiferença por parte dos povos simples, como são os nossos antepassados, tanto mais que os contactos com as zonas urbanas de Aveiro, Ílhavo e Vagos estão muito limitados, por carência de acessos fáceis.
“O Século” e o “Diário de Notícias”, de âmbito nacional, bem como periódicos regionais e locais, referem, com destaque, o modo festivo como Aveiro e Ílhavo recebem a revolução de 5 de Outubro. Diz “O Século” de 10-X-1911: «O povo [de Ílhavo] estava na maior anciedade por falta de notícias, quando chegou de Aveiro o administrador do concelho, participando que a Republica estava proclamada. N’essa occasião, o sr. Eduardo Craveiro soltou um estridente viva à Republica…»[17]
Vasco Pulido Valente, no entanto, afirma que, «na melhor das hipóteses, os republicanos não passavam de 100 000. Em 1910 o PRP [Partido Republicano Português] não tinha qualquer organização na maioria dos concelhos do país e onde a tinha no papel quase sempre não a tinha na realidade: comissões e agremiações com nomes heróicos, que na prática se reduziam à mesma meia dúzia de amigos, associados sob diversos nomes e pretextos». [18) 
A I Grande Guerra deixa sinais de destruição e morte entre 1914 e 1918, originando pelo País os monumentos de homenagem aos Soldados Desconhecidos que faleceram no conflito. E se houve quem louvasse a decisão política de levar portugueses para a guerra, não faltou quem a criticasse. Como sempre acontece, aliás. 
Em 1916 há registo de pessoal civil da Gafanha da Nazaré na Aviação Naval de S. Jacinto. Esta base seria, ao longo dos anos, um alfobre de operários especializados.[19]
Nesse mesmo ano, no dia 18 de Novembro, o navio “Desertas” encalha ao sul da Costa Nova, avançando logo a hipótese da sua recuperação para o devolver ao mar, o que realmente veio a acontecer a 20 de Março de 1920. A tarefa de salvamento do “Desertas”, cuja passagem para o oceano implicou a abertura de um canal de 950 metros para o trazer para a ria, leva à remoção de 200 mil metros cúbicos de areia, durante 76 dias, numa luta permanente, «dia e noite». Com apenas uma draga e um rebocador, esta operação mobiliza «muita força humana», onde os gafanhões marcam presença significativa. [20]
Em 1917, aconteceram as Aparições de Fátima, que dão origem a uma imagem de marca do catolicismo português, fortemente enraizado no culto mariano da nossa gente. Veja-se como todas as Gafanhas têm como padroeira Nossa Senhora, sob diversas designações. E deste chão que hoje pisamos nunca faltaram peregrinações a Fátima, em grupos normalmente organizados.
A Barra de Aveiro já funcionava com a regularidade possível, exigindo, contudo, obras contínuas. Até hoje. A entrada e a saída de navios são dificultadas pelo assoreamento constante, sucedendo-se diversos estudos, muitas vezes contestados. O poder local, nomeadamente a autarquia aveirense, interfere nas decisões a tomar, ora em nome das populações, ora por questões meramente políticas. 
O estaleiro do mestre José Maria Bolais Mónica havia sido transferido de Ílhavo para a Cale da Vila, onde se torna, durante décadas, numa fonte significativa de mão-de-obra para as Gafanhas e arredores. Foi também uma grande escola das artes de construção naval de madeira.
Curioso ainda é saber-se que, apesar de não haver certezas sobre a elevação a freguesia, por desmembramento de S. Salvador, a comunidade já tinha iniciado a construção de uma ampla igreja, raiz física da actual.

17. “Aveiro e o seu Distrito”
18. “Portugal, Ensaios de História e de Política”
19. “Hidro-Aviões nos Céus de Aveiro”, de Joaquim Duarte
20 Cardoso Ferreira, no jornal Timoneiro

Do livro "Gafanha da Nazaré — 100 anos de vida"

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