Frederico de Moura |
Frederico de Moura, que foi médico em Vagos, escritor,
político e homem da cultura, conhecedor profundo da alma e da determinação da
nossa gente, em frases realistas, quais pedras preciosas buriladas, diz assim dos gafanhões:
«O gafanhão — ou o avô do gafanhão — quando se foi às lombas
para as cultivar sabia que ia investir contra vidro moído totalmente carenciado
de matéria orgânica que desse qualquer quentura ao berço de uma planta. Ele bem
via a mica a faiscar-lhe no lombo e bem sentia o vento a transmutar-lhe, de
momento a momento, o versátil.»
«Não se foi a ela com a esperança do filho que se achega ao
colo maternal e ao seio opíparo que destila o leite da humana ternura. Nada
disso! Ao invés, investiu com ela como enteado que não espera da madrasta a
carícia rica de promessas, nem a generosidade que dá o pão milagroso…»
«Quem surriba chão de areia não encontra onde enterrar
raízes de esperança e quem irriga duna virgem sabe que mija numa peneira! Quem
lança a semente num ventre que é maninho não pode ter esperanças de fecundação.
E, por isso, o gafanhão, antes de cultivar a lomba, teve de corrigir-lhe a
esterilidade servindo-se da Ria que lhe passa à ilharga, procurando nela a nata
com que amamentou a semente que deixou cair, amorosamente, naquele chão danado.
E humanizou a duna.»
«… Homens da terra a pentear o leito da laguna para
fertilizar as dunas — vidro moído ainda há poucos anos estéril, ainda há poucos
anos maninha — terra que parecia gafada, a terra da Gafanha! Foi o moliço ou
foi o suor humano que fecundou as areias picotadas de mica espelhante? Foi o
lodo, a Ria ou a fadiga dos homens que realizou o milagre que, agora, reverdece
sobre o nosso olhar, nos batatais viçosos (“negros de verde”, dizem os
gafanhões) e nos feijoais delicados como placas de Jardim?»
Em "Aveiro e o seu Distrito"
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